Sobre Novas e Velhas Besteiras

Um dia disseram que mulheres seriam fracas demais para exercer a Medicina. Que esta profissão era “obviamente” apenas apropriada para homens. Foi-se um tempo em que mulheres não passavam de meras posses de alguém (entenda-se: de algum homem).

Um dia disseram que índios não tinham espírito. Negros também não. Escravizar não seria um crime, muito pelo contrário, pois entre os serviços que os escravos prestariam, eles teriam contato com a “civilização”, sendo pouco a pouco instruídos e catequizados.

Eles levavam mulheres e as puniam por “despertar desejo nos homens”. Puniam e puniam até não ver mais mulheres e sim farrapos de gente, sem dentes e deformadas. Tratavam de queimar o bagaço humano em praça pública. E diziam que eram bruxas, que bruxas eram feias e que bruxas eram más. As torturas na Terra, diziam, diminuiriam as torturas que esperam pelos infiéis no pós-vida. Era uma época de deslumbramento da Cruz com o Poder.

O Poder sempre foi envolto em mentiras. Reis e imperadores já foram divindades na Terra ou por elas indicados. Sangue azul não era apenas uma metáfora. Quanta mentira já foi dita… Hoje ainda se diz que o futuro de uma nação está nas mãos de uma única pessoa, responsável por tudo o que acontece do lado de cá das fronteiras.

As fronteiras… Fronteiras de uma terra pretensamente descoberta, assim ao acaso, como quem não quer nada. Como se ventos desviassem navios por distâncias transcontinentais (nem que fossem marinheiros bêbados!). Como se Pindorama não tivesse pessoas e não fosse já a nação de centenas de povos.

Já disseram que houve um grito heroico no Ipiranga, capaz de nos libertar e nos dar soberania, apartando-nos de Portugal. Claro, o pagamento de 2 milhões de libras esterlinas à pátria dominante deve ter sido um mero detalhe neste quadro.

E ainda há quem pense que é de hoje que lideranças políticas brasileiras resolvem as coisas com dinheiro, nas entrelinhas, longe dos holofotes.

Ainda há quem queira justificar as torturas do período de governo militar e ainda peçam seu retorno pelas ruas, que vexame! Torturas e assassinatos que, como estão escondidos aos montes debaixo do tapete, dizem não terem havido. Tortura por interrogatório ou sadismo? Pouco importa, deveriam ser crime contra a humanidade.

Diziam que o golpe era um contragolpe os que defendem o indefensável. Diziam que comunistas comiam criancinhas e que naquele período não havia corrupção.

Quanta coisa já foi dita e quanto mito já caiu… Quantas crenças deixaram de ser religiões para se tornar mitologias? Será que a fé do antigo heleno em Athena era menor que a fé do contemporâneo beato cristão? Quem pode saber?

Já disseram que o Inglês é a língua mais falada no mundo por ser uma língua fácil. Não citam o fato de o posto já ter sido ocupado, bons tempos atrás, pelo Latim!

Já disseram que a culpa pelos crimes é dos mais jovens, ou dos mais pobres, ou dos mais negros. Muitos já disseram que é dos três, principalmente quando combinados. E que quando a polícia mata é porque coisa boa o pobre não estava fazendo. Salvem as sábias balas juristas do Brasil!

Já disseram que tudo o que é público não é de ninguém. É o caminho para a apropriação, depredação e desrespeito de quem, logo depois, aparece a reclamar da corrupção, irresponsabilidade e respeito de seus próprios representantes.

Disseram que não há políticos honestos e que o Estado é a culpa de todos os males. Que o Comércio é, por outro lado, a perfeita criação da natureza humana. Que uma vez solto, será capaz de se regular sozinho em prol de toda a Humanidade. Claro que sim, Pink! O Estado é corrupto e o Comércio é puro! E comércio é sempre socialmente bem intencionado, respeitando funcionários e clientes por iniciativa própria. Claro, claro…

Já disseram que os jornais são imparciais. E que todas pessoas nascem iguais. Como é possível, no decorrer da História, ter havido quem acredite em tanta besteira? Ops! Parece que ainda há…

— Cárlisson Galdino

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